segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A eclesiologia de Lutero



Lutero sempre destacou a importância da Igreja. Inclusive seu objetivo não era dividir a Igreja Cristã mas sim reformá-la. Os acontecimento é que tornaram o cisma inevitável. "Ele se revoltou contra a igreja por causa da igreja". Ele usa termos para a Igreja como fortaleza, castelo, aposento e até mesmo a "digna donzela".[1]

Para Lutero a igreja era um comunidade e não o magistério da Igreja. Inclusive ele não gostava do termo alemão mais comum para igreja: kirche. Este termo significava Casa do Senhor, e trazia a idéia de que a igreja era um templo. Este termo alemão tem a mesma raiz da palavra inglesa church. Lutero preferia termos como gemeine (comunidade) e versammlung (assembléia).[2] A igreja é portanto a "comunhão dos santos" ou "sacerdócio evangélico".[3] Este ponto na teologia de Lutero é extremamente revolucionário. Bengt Hagglund faz o seguinte comentário sobre este pensamento de Lutero: "A forte ênfase de Lutero nesta comunhão espiritual, invisível, como formadora da igreja era algo novo"[4] . Lutero enfatiza que a “Igreja, porém, não é pedra nem madeira, mas é o conjunto de pessoas crentes em Cristo”. Segundo Lienhard, para Lutero, a Igreja, como um todo, é oculto, e não se pode identificá-la como uma instituição. A igreja também existe como instituição, porém, não é esta a sua existência primária.[5]

Lutero, portanto, enfatizou bastante a idéia da igreja invisível. Entretanto, ele também destaca a realidade da igreja local, com seu templo, regulamentos etc. Para Lutero era errado identificar a igreja com uma instituição humana, como fazia a Igreja de Roma, identificando a igreja com a liderança do papa e dos bispos. Em relação ao poder do papa, ele criticava a interpretação católica de Mt 16. Para ele a rocha na qual a igreja foi fundada não foi Pedro, mas sim a declaração de fé de Pedro. Lutero até admitia o papa, se ele fosse apenas um líder da igreja e não fizesse as reinvidicações que fazia, querendo ser o legítimo representante de Deus na terra. Lutero também não concordava com o pensamento dos anabatistas, que acreditavam ser possível ter uma igreja totalmente santa, excluindo todos que não tivessem uma vida digna.[6]

Sem dúvidas uma das maiores dificuldades da Reforma Protestante foi definir a organização da Igreja. A reforma tinha um espírito antiautoritário e antihierárquico que trazia dificuldades para se estabelecer uma liderança eficaz. Foi então que Lutero sugeriu que os príncipes de cada região assumissem as questões administrativas da igreja. Os príncipes tornaram-se "bispos de emergência". O objetivo era que os príncipes assumissem esta responsabilidade até que a questão da liderança da igreja fosse melhor resolvida. Entretanto com o passar do tempo a Igreja Luterana acabou ficando submissa ao estado, dando origem a Igreja Estatal Alemã.[7]

A seguir destacaremos as marcas principais da verdadeira Igreja segundo o pensamento de Lutero.

Prioridade do Evangelho
A Escritura estava a acima da Igreja e não vice-versa. O Catolicismo Medieval ensinava que foi a Igreja que nos deu o evangelho, por isso a Igreja está acima das Escrituras. Para Lutero foi o evangelho que constituiu a igreja e não o contrário. A interpretação das escrituras não pode ser uma atividade exclusiva do magistrado da igreja.[8] Este ponto da Eclesiologia de Lutero é extremamente significativa. O rompimento com o catolicismo só aconteceu a partir deste pensamento. A igreja é quem definia as doutrinas

Por ser baseada no Evangelho, o valor da igreja é oculto ao mundo. Somente os cristãos entendem o seu real valor. Por ter como fundamento o Evangelho, a igreja também é marcada por perseguições e infortúnios, não há como evitar. E por fim não há como separar agora quem são os verdadeiros cristãos, a igreja é um corpo misto. Não cabe a nós fazer esta separação, o próprio Jesus o fará.

O valor da igreja, assim como o de Cristo, está em sua humildade. E destaca Lutero que é justamente quando a igreja sofre mais perseguições é que fica mais nítida a sua glória. Para ele então, perseguição, sofrimento, humildade são características essenciais da verdadeira igreja. Ela deve seguir o exemplo do seu fundador, que também foi perseguido, sofreu e viveu o seu ministério de forma plenamente humilde.[9]

Palavra
Outra marca essencial da igreja é a pregação da palavra. Existe igreja onde a o evangelho é proclamado. Com Lutero a pregação do evangelho tornou-se o centro do culto cristão. O momento mais importante na assembléia cristã é a pregação da palavra.[10] Como dizia Lutero “Se a palavra de Deus não é pregada seria melhor que os homens não cantassem ou lessem ou se reunissem”[11]. No catolicismo medieval o momento mais importante era a Eucaristia, com todo seu significa místico e supersticioso.

Em relação também a palavra, Lutero destacou a importância do pregador. Criticou duramente os "tagarelas do púlpito" que tem medo de pregar a verdade. Para o verdadeiro pregador incomoda, pois como ele mesmo dizia “Deus nos proteja dos pegadores que agradam a todos e desfrutam de um bom testemunho de todos”. O bom pregador é aquele que se levanta, fala e sabe quando se calar. Ele é totalmente movido por Deus para anunciar o evangelho, não pode pregar de si mesmo, ou apenas anunciar o que o povo quer ouvir. Lutero também criticou os pregadores preguiçosos que não estudavam e que só se utilizavam de auxílios homiléticos para suas pregações, sem exercitar a sua própria criatividade.[12] A grande função do sacerdote é a pregação, como ele diz “O ofício do sacerdote é pregar, se não o faz, é tão sacerdote como é homem um homem pintado”.[13]

Para Lutero, o pastor precisa, essencialmente, ser reconhecido pela comunidade para exercer a sua função. Na verdade todos podeM ser pregadores, por isso “(...) o que é comum a todos ninguém pode se arrogar individualmente, até que seja chamado”. O pastor deve estar ciente de que sua real função é servir e não reinar, a sua tarefa consiste em ministrar a palavra e o serviço a comunidade, ele não é um mediador como o sacerdote católico.[14]

Sacramentos
O pensamento de Lutero sobre sacramentos é bem diferente do catolicismo medieval. Em sua obra "Do Cativeiro Babilônico da Igreja" (1520), ele desenvolve o tema. Em primeiro lugar ele limitou os sacramentos a apenas dois: Batismo e Ceia. No início chegou a manter a confissão também, mas logo abandonou este pensamento. Batismo e Ceia eram os únicos cerimoniais que possuíam uma palavra clara de instituição por Jesus e também possuíam uma promessa de Deus[15]. Para ele "sacramentos são uma palavra dirigida por Deus". Na verdade são sinais visíveis da graça de Deus. A Ceia e o Batismo revestem-se de importância pois: 1) ambos proclamam o perdão de Deus; 2) não são eficazes em si, mas na fé que se tem; 3) são extensões da palavra de Deus.[16] Ao fazer a ligação de Sacramento com a Palavra “Lutero destrói o lado mágico do pensamento sacramental”[17].

A princípio Lutero chegou a admitir a penitência como sacramento, mas depois abandonou esta posição. A verdadeira contrição é a fé, e não o confessar para um sacerdote. A confissão a um sacerdote não é bíblica, mas pode ser útil, desde que não seja considerada como um sacramento. Na verdade, ensinaria Lutero, a confissão dos pecados é uma volta ao batismo. Para Lutero não são os sacramentos o centro da Igreja, mas o evangelho. A Igreja Católica abusou do valor dos sacramentos, rodeando a vida dos cristãos com sacramentos que só a Igreja podia ministrar. A Igreja então é que transmite graça aos cristãos no pensamento católicos, e Lutero condena isso dizendo que a Igreja é testemunha da graça e não intermediária.[18]

Em relação ao batismo, ele destacava a importância da água e da palavra. A água batismal em si, de nada valia, mas ao ser acompanhada pela palavra ela ganha valor. Há em Lutero, portanto, uma grande importância para água no batismo, não era, para ele, apenas um elemento simbólico. O batismo expressa a participação do crente na morte e ressurreição de Cristo. O batismo não é simples mergulho na água, é o próprio Cristo que nos batiza. Ele complementa dizendo que “O batismo não justifica a ninguém, nem é útil a pessoa alguma, mas na fé na palavra da promessa, à qual se agrega o batismo, essa, sim, justifica e cumpre o que o batismo significa”. E mais, é preciso viver a realidade do batismo, da remissão dos pecados, a cada dia, num verdadeiro e constante arrependimento.[19]

Lutero manteve o batismo infantil. Ele defendia este pensamento fazendo comparações com a circuncisão no Antigo Testamento, que também atingia criança. E também dizia que tinha que haver uma base bíblica muito forte para abandonar uma prática tão tradicional da igreja cristã. Dizia que a não era a água que salvava, mas a palavra que estava na água.[20] Os anabatistas criticavam Lutero em relação ao batismo infantil. Lutero dizia que um sacramento só tem valor se for acompanhado de fé. Como poderia uma criança ter fé, perguntavam os reformadores radicais. Lutero dizia que a fé era dom de Deus, por isso uma criança também tinha fé na ocasião do batismo.[21] Até mesmo Hagglund, um erudito luterano, deixa transparecer uma certa incoerência do pensamento de Lutero sobre o batismo infantil: “Aceitou a resposta tradicional, que a fé dos padrinhos toma o lugar da fé da criança, mas em outras ocasiões expressou a opinião que também temos de pressupor a existência da fé na criança para efeito da palavra divina”[22]. Outro que aponta a incoerência da posição do Lutero sobre o batismo é o francês Lienhard, importante biógrafo de Lutero, que diz que a cada momento Lutero justifica o batismo infantil de uma fora, ora ele apela para a fé futura da criação, ora para ação misteriosa do Espírito, ora para a fé adormecida na criança e por fim na fé dos pais e padrinhos. Lienhard então lança a questão: não tinha ensinado Lutero que nada substitui a fé pessoal, e agora ele apela para substitutivos da fé para justificar o batismo infantil? Em outro momento Lutero tenta explicar esta contradição dizendo que na verdade o que vale é a promessa que se junta a fé que havia na criança, e as explicações continuam sem resolver a contradição.[23]

Os anabatistas, em especial Karsltadt e Munster, questionaram a prática do pedobatismo defendia por Lutero. A primeira objeção que lançavam é que tratava de manter uma prática papista, Lutero respondia que há coisas comuns entre os protestantes e Roma, e nem tudo deve ser rejeitado. Outra objeção lançada contra Lutero era o fato de que a criança batizada não se lembraria do evento quando fosse adulta, Lutero então apela para o testemunho dos pais e padrinhos. A questão da fé era outro forte argumento, como batizar alguém que ainda não tem a fé, perguntavam os anabatistas. Lutero respondia que não se pode ter certeza da fé de ninguém, por isso por que não batizar crianças? E por fim os anabatistas diziam que a criança não pode crer, e portanto não devem ser batizadas, Lutero dá a pitoresca resposta que as crianças podem crer, se não fosse assim como João Batista se alegrou no ventre de sua mãe? Completando sua visão sobre o batismo, podemos resumir em 6 os argumentos de Lutero para defendê-lo: 1) é prática apostólica (!); 2) uma heresia nunca foi mantida por tanto tempo na igreja, e se o batismo infantil fosse heresia já teria sido desmascarado; 3) Deus concede dons as crianças também; 4) Se o batismo infantil não fosse válido, teríamos que admitir que durante 1000 anos não houve igreja, pois a prática está bem sedimentada entre os cristãos; 5) Se foi o papado que introduziu, isto não é problema, pois o papado faz parte da cristandade (!); 6) Não devemos excluir as crianças da nova aliança. [24]

Para Lutero a ceia só era sacramento por estar acompanhada pela palavra, mesmo argumento para defender o valor do batismo. Cria que a ceia deveria ser celebrada todos os domingos no culto cristão. Em sua obra "Do Cativeiro Babilônico da Igreja" criticou três pontos da doutrina romana sobre a Ceia do Senhor: 1) a recusa de se oferecer o cálice para os leigos; 2) a transubstanciação; 3) a idéia de que na missa era repetido o sacrifício de Cristo. Este três pontos que representam o chamado Cativeiro Babilônico da Igreja.[25] A idéia de sacrifício na Ceia do Senhor, só pode existir no sentido de que há uma entrega do ser humano a Deus, e nunca a repetição do sacrifício único e eficaz de Cristo.[26] Para Lutero a idéia da missa como sacrifício trouxe abusos terríveis pois “fizeram do divino sacramento verdadeiros dias de feira livre, negócios de taverna e certos contratos lucrativos”. Lutero prega que é necessário voltarmos ao sentido original da Ceia, ou seja, nos lembrar da remissão dos pecados. É preciso unir o sinal (a celebração do sacramento) com a palavra pregada, e para Lutero a ênfase maior estava na palavra pregada.[27] Como vemos ele atacou pontos essenciais da doutrina católica da Eucaristia.

Já o pensamento de Lutero sobre a ceia do Senhor deve ser compreendido através do debate com Zwínglio e os anabatistas, debate que se estendeu entre 1524 e 1529. Em 1529 foi realizado o Colóquio de Marburgo, organizado pelo príncipe alemão Filipe de Hesse, e tinha como objetivo unificar os protestantes alemães e suiços. O único ponto ao qual não se chegou a um consenso e que impediu o sucesso do Colóquio foi justamente as discussões sobre a ceia do Senhor. Neste Colóquio discutiu-se os seguintes temas: Trindade, cristologia, pecado original, redenção, fé, palavra externa, batismo, boas obras, confissão, autoridade secular, tradição humana, pedobatismo e ceia[28]; e somente a questão da ceia não levou a um acordo, a ceia sinal da unidade do corpo de Cristo, foi transformada em motivo para dividir o movimento protestante.

Lutero defendia uma idéia sobre a Ceia do Senhor que ficou conhecida como consubstanciação. Ele rejeitou a transubstanciação romana, para ele a substância do pão e vinho permaneciam durante a celebração da ceia, porém o corpo e o sangue de Cristo juntavam-se aos elementos da ceia. Como dizia Lutero: "Assim como o Deus incompreensível e onipresente se aproxima do homem na humanidade de Jesus Cristo, também a humanidade incompreensível e onipresente de Cristo aproxima-se e poder ser captada pelo homem na Ceia do Senhor"[29]. Na verdade a consubstanciação não era uma novidade, já na Idade Média alguns escolásticos defendiam idéias parecidas.[30] Lienhard, biógrafo de Lutero, admite que “Malgrado certas reservas, Lutero permaneceu ligado a prática de uma adoração de Cristo na ceia (...)”[31], ou seja, ele manteve de certo modo a visão medieval sobre a ceia, com ligeira modificação.

Zwínglio e os anabatistas defendiam uma interpretação simbólica sobre a ceia do Senhor. Para o reformador suiço a expressão "Isto é meu corpo", devia ser entendida no sentido de "Isto significa meu corpo". Ele gostava muito citar Jo 6.63 que dizia que a carne e o sangue de nada valem, e também acrescentava que o pensamento de Lutero sobre a ceia estava trazendo ainda muito do pensamento católico. Lutero argumentava que o texto sobre a ceia deve ser interpretado literalmente, por mais irracional que parecesse ser comermos o corpo de Cristo. Lutero chegava a afirmar que "eu comeria esterco se Deus assim ordenasse".[32] Para o reformador suiço o importante era a fé nos dons celestiais, e não o pão e o vinho. Lutero, porém, insistia na importância da presença física de Jesus no pão e no vinho.[33] O holandês Hoen, em 1522 já contestava a idéia da transubstanciação e começa a defender a idéia da ceia como um memorial, Zwínglio no início aceitava a concepção de Lutero, mas após ler Hoen mudou de opinião e passou a defender a ceia como uma refeição memorial, alimentar-se de Cristo para Zwínglio não é comer do pão, mas crer no Evangelho.[34]

Por mais que pareça estranha para nós hoje, o debate sobre a ceia entre Lutero e Zwínglio possuía um pano de fundo cristológico. Zwínglio dizia que o corpo de Cristo fica apenas no céu, apenas a divindade de Cristo é onipresente, por isso o corpo de Cristo não podia estar no pão e no vinho. Já Lutero baseando-se na idéia da comunicação dos atributos (defendida na Igreja Antiga por Cirilo e Leão I), para dizer que o corpo de Cristo era também onipresente, por participar dos atributos divinos. Este pensamento cristológico é conhecido por doutrina da ubiquidade, que significa que "Cristo está presente em toda parte como Deus. E sua natureza humana também participa dessas qualidade". Para Hagglund, por de trás do pensamento de Zwínglio está um pensamento dualista filosófico que separa o espiritual do físico. Como bem diz o historiador sueco: "Lutero, desta maneira, rompeu com o dualismo filosófico entre espírito e matéria que se achava por detrás da concepção espiritualista"[35].

Seguindo Lienhard, podemos resumir as diferenças de Lutero e Zwínglio em relação a ceia da seguinte maneira: a) a orientação filosófica diferente, Lutero seguia Occam e dizia que a ação de Deus escapa a nossa compreensão e podemos então aceitar o corpo de Cristo no pão; já Zwínglio, como bom tomista de orientação platônica, gostava de pensar no corpo de Cristo apenas no céu e não aqui na terra; b) A hermenêutica dos dois reformadores é diferente, Lutero entendia literalmente "isto é o meu corpo", e Zwínglio não; c) A cristologia, como já observamos no parágrafo anterior, Lutero admitia a união das duas naturezas no pão e no vinho, já Zwínglio a distinção entre a natureza humana e divina; d) Para Lutero na ceia há a continuação da encarnação de Cristo, ela é um evento redentor; já para Zwínglio a ceia não perdoa pecados e na verdade relembra um evento único que foi a morte de Jesus; e) Para Lutero a finalidade da ceia é alimentar a fé; já para Zwínglio a finalidade da fé é fortalecer o laço comunitário da Igreja e também a fé em Deus, e não a fé nos elementos.[36]

Sacerdócio de todos crentes
Lutero defendia, como todos os reformadores, que todo crente tem livre acesso a Deus. Os seu pensamento sobre o sacerdócio universal dos crentes implicava em dois pontos principais: a) todos tem acesso a Deus; 2) o ministro não está acima dos demais membros da igreja.[37] Portanto não há nenhum clero especializado para nos levar a presença de Deus, e nem muito menos para interpretar a Bíblia.

Isto não significa que Lutero aboliu a função do ministro. O pastor é um ofício especial. Ele tem seu valor dentro da comunidade. Porém, numa emergência qualquer membro da igreja pode pregar, batizar, julgar doutrina, orar, etc. Lutero também não ensinou a idéia de crentes individualistas, cada um buscando a sua maneira a presença de Deus. Ele sempre enfatizou o valor da comunidade ao lado do sacerdócio universal dos crentes. Outro ponto importante sobre o Ministro é que ele deve ser escolhido para igreja, e não simplesmente ser imposto a Igreja. E mais, a ordenação não é indelével, ou seja, se ele não cumprir a sua missão pode ser tirado do cargo.[38] Em relação se a ordenação para o ministério pode ser perdida há certa ambiguidade no pensamento de Lutero, como bem observa Hagglund:

"Se fosse aplicada de modo coerente, implicaria que a ordem externa é apenas um chamado para prestar certa forma de serviço. Mas há evidência que mostram ter Lutero também considerado a ordenação como verdadeira consagração para um missão divina para a vida inteira"[39]

Linheard também vê uma certa ambigüidade na idéia luterana do sacerdócio universal de todos os crentes. Ele destaca que até 1525, realmente Lutero deu ênfase total a esta idéia. Ele sempre repetia que “Todos somos igualmente sacerdotes, isto é, temos o mesmo poder na palavra e qualquer sacramento”. Com o avanço do movimento reformador, e principalmente a partir da controvérsia de Lutero com os anabatistas, ele mudou o enfoque, e começou a dar mais importância ao papel do pastor em detrimento da idéia do sacerdócio universal.[40]

A crítica a Igreja Romana no "Manifesta a Nobreza Alemã"
A obra o "Manifesta a Nobreza Alemã" escrita em 1520 é uma das mais poderosas e violentas críticas de Lutero a Igreja Romana de seu tempo. É nesta obra que ele realmente traça a idéia de uma Reforma na Igreja. Ele apela aos nobres e a todos os cristãos que trabalhem para que esta reforma se concretize. Os três grandes temas da reforma aparecem nesta obra: a fé, o sacerdócio universal e o valor das escrituras.[41]

Lutero declara que o objetivo do seu livro é derrubar as muralhas que a Igreja Católica construiu. A primeira muralha é a afirmativa que o poder eclesiástico é superior ao poder do Estado, através desta afirmação a Igreja afirma que o Estado não a pode criticar. A segunda muralha é a afirmativa de que só Roma pode interpretar a Bíblia corretamente e que o papa não erra, assim a Bíblia não pode ser usada para criticar a Igreja. Lutero defende que qualquer cristão pode criticar a Igreja e defender a verdade. A terceira muralha é a afirmativa de que somente o papa pode convocar um concílio, assim nunca será realizado um concílio para criticar erros do papa. Lutero sugere que o Estado pode convocar um concílio para corrigir os erros da Igreja. No "Manifesta a Nobreza Alemã", Lutero também critica a vida dos sacerdote, que segundo ele deveriam voltar a simplicidade apostólica, e afirma que os cardeais são os grandes culpados da podridão da Igreja. Lutero chega a afirmar que "quanto mais próximo de Roma, piores cristãos", o grande problema estava justamente em Roma, e ela estava livre de ataques em razão das três muralhas que construiu.[42]

Lutero também critica vários cerimonias e instituições do culto católico. Usando textos como I Tm 3.2 e Tt 1.6 ele condena o celibato obrigatório, que segundo ele foi inventado pelo diabo. O reformador alemão também defende o fim do culto aos santos, da doutrina do purgatório e da prática das indulgências. O pedido de Reforma não se limitou a Igreja, e também pede mudanças nos costumes, na assistência social e também nas universidades. Pedia que não fosse mais Aristóteles a base da teologia, mas sim o estudo do latim, grego, hebraico e história. Pediu também o fim do direito canônico e pregou que o centro dos estudos deve ser a Bíblia e não mais as "Sentenças" de Lombardo.[43]

Luís Carlos Batista

[1] Ibid. p. 87
[2] Ibid. p. 88-89
[3] OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. p. 401-402
[4] HAGGLUND, Bengt. op. cit. p. 207
[5] LIENHARD, Marc. Martim Lutero: Tempo, Vida e Mensagem. p. 146-47
[6] HAGGLUND, Bendt. História da Teologia. p. 208
[7] TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. p. 249-51
[8] GEORGE., Thimothy. Teologia dos Reformadorse. P. 89
[9] TILLICH, Paul. op. cit. p. 248
[10] GEORGE, Thimothy. Teologia dos Reformadores. p. 91
[11] HAGGLUND, Bengt. História da Teologia. p. 202
[12] GEORGE. Thimothy. op. cit. p. 92-93
[13] LIENHARD, Marc. Martim Lutero: Tempo, Vida e Mensagem. p. 89
[14] Ibid. p. 149-50
[15] OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. p. 402
[16] GEORGE, Thimothy. op. cit.p. 93-94
[17] TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. p. 235-36
[18] LIENHARD, Marc. Martim Lutero: Tempo, Vida e Mensagem. p. 88-89
[19] Ibid. p. 87
[20] GEORGE, Thimothy. Teologia dos Reformadores. p. 95
[21] OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. p. 403
[22] HAGGLUND, Bengt. História da Teologia. p. 204
[23] LIENHARD, Marc. op. cit. p. 88
[24] LIENHARD, Marc. Martim Lutero: Tempo, Vida e Mensagem. p. 189-92
[25] HAGGLUND, Bengt. História da Teologia. p. 205
[26] Ibid. p. 203
[27] LIENHARD, Marc. op. cit. p. 83-86
[28] Ibid. p. 189
[29] OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. p. 405
[30] HAGGLUND, Bengt. História da Teologia. p. 205
[31] LIENHARD, Marc. Martim Lutero: Tempo, Vida e Mensagem. p. 184
[32] OLSON, Roger. op. cit. p. 405
[33] HAGGLUND, Bengt. op cit. p. 206
[34] LIENHARD, Marc. op. cit. p. 186
[35] HAGGLUND, Bendt. op. cit. p. 207
[36] LIENHARD, Marc. Martim Lutero: Tempo, Vida e Mensagem. p. 187-88
[37] OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. p. 402
[38] GEORGE, Thimothy. Teologia dos Reformadores. p. 96-98
[39] HAGGLUND, Bengt. História da Teologia. p. 209
[40] LIENHARD, Marc. op. cit. p. 148
[41] LIENHARD, Marc. Martim Lutero: Tempo, Vida e Mensagem. p. 78-79
[42] Ibid. p. 79-81
[43] Ibid. p. 81-82

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